quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Atravessador inacabado


Se tenho dois fios
peço cinco

pra  me tecer
e viver

o medo
e as travessias

Boca lacrada


não foi amor
esse beijo
foi o jeito
que encontrou 
de me calar

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

nossa senhora de espantar a morte



dona sancha
nossa senhora,
vos espantastes a morte
como se espanta
galinhas,
shô morte, shô

domingo, 26 de dezembro de 2010

Imagens em trânsito

de meu carro,
nas cadeiras transportadas
pelo caminhão
vejo
brancas asas,
anjos empilhados

The Eraser

by Lucca Marcondes Brown



The Eraser helps the mess.
Erases the things.
The Pencil makes mistakes from.
The Eraser and Pencil are friends.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Menos é mais

A  corte à palavra
pede o corte





sábado, 11 de dezembro de 2010

Deixar ir


perco o caderno
a cadeira
esqueço de ligar
o taxímetro

quebro imagens
ídolos
 o espelho

perdas não importam

sofro de excesso


sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

De espelhos








o eu do espelho
não sou eu
nos parecemos
na brincadeira







quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Urbana, a Mãe do Mundo



Flores abrem
fecham
abrem

Falos
relógios
e cores

Andando
pessoas bailam
o palco,
ruas e praças

Em meu ventre
crianças brincam
loiras
pardas e negras

Em seco
a dor
 a travessia
o tropeço

Morro

fertilidade brota





terça-feira, 7 de dezembro de 2010

MEDITO

O nada neva

e a casa

pendurada

na montanha



é a promessa


नाडा É उमा कैसा पेंदुरादा न मोंतान्हा
इ में अगुअर्दा

Saciedade

Fartura na mesa
na vida

Sofro
estou farta

e ainda acho
que me falta


domingo, 5 de dezembro de 2010

TRANSMUTAÇÃO


Morri

Ossos dissolvidos,
massa cremada na pira

Sentimentos e sensações
correm com o rio

Resto consciência


quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

PRÊMIO DARDOS


Naco de Prosa, Literatura & outras artes
Recebi o PRÊMIO DARDOS de Marli Boldori, link e endereço acima.
Obrigada pelo estímulo e carinho, Marli.  
Por favor, leiam os comentários.


Os blogs premiados:

Valéria Sorohan
Elchiado
artebaiao
MJFortuna
mas que colores
http://varandadotempo.blogspot.com/
Palavras de Seda

terça-feira, 30 de novembro de 2010

A Internet torna possível conhecer quem nunca conheceríamos, antes dela



Prêmio Dardos

Recebi este prêmiro de Marli Boldori. Muito grata,Marli.
O Prêmio Dardos me trouxe o maior presente, conhecer a doadora.

Visitem Marli no link abaixo, um abraço, blogueiros!

Naco de Prosa, Literatura & outras artes

«O Prêmio Dardos é o reconhecimento dos ideais que cada blogueiro emprega ao transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc... que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, e suas palavras.

“Esse selo foi criado com a intenção de promover a confraternização entre os blogueiros, uma forma de demonstrar o carinho e reconhecimento por um trabalho que agregue valor à Web”.

Ao receber o prêmio o blog deve também indicar outros blogs.

Aos indicados, para que este incentivo não acabe, peço a vocês que sigam estas instruções:

1) Você deve exibir a imagem do selo em seu blog;

2) Você deve linkar o blog pelo qual você recebeu a indicação;

3) Escolher outros blogs a quem entregar o Prêmio Dardos;

4) Avisar os escolhidos, claro!”

Segue abaixo as páginas que indico para receberem este selo, pelo valor e beleza de seus trabalhos e, principalmente por compartilharem seus universos emocionais e poéticos neste espaço virtual.

Quem já recebeu sinta-se duplamente homenageado.

Meu carinho a Marli e a todos e mais uma vez obrigada.

Indicados:
mas que colores 
De victoria eugenia

arte balaio
De jaime baião

http://arteseartesmjfortuna.blogspot.com/


















Espero que curtam este mimo!!!

terça-feira, 23 de novembro de 2010

sábado, 20 de novembro de 2010

A bailarina _ poema de Cecilia Meireles




Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.

Não conhece nem dó nem ré
mas sabe ficar na ponta do pé.

Não conhece nem mi nem fá
Mas inclina o corpo para cá e para lá.
—–
Não conhece nem lá nem si,
mas fecha os olhos e sorri.
—-
Roda, roda, roda, com os bracinhos no ar
e não fica tonta nem sai do lugar.
—-
Põe no cabelo uma estrela e um véu
e diz que caiu do céu.
—-
Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.
—-
Mas depois esquece todas as danças,
e também quer dormir como as outras crianças.

domingo, 14 de novembro de 2010




"O ser humano encontra-se na fragilidade do entre. Entre o dito e o não dito, entre o dizível e o indizível, entre o desvelar e o ocultar, entre o singular e o múltiplo, entre no encontro e a solidão, entre o claro e o escuro, entre o infinito e a morte, entre o ser e o não ser, entre o viver e o morrer.

Entre o dizer e o indizível _ a possibilidade de o ser humano, por meio da fala, desvelar quem é e o que vive. O dizer ao revelar também vela. O viver humano não pode ser plenamente revelado ou dito. Entre o dizer e o indizível emerge o falar poético, quando a palavra não se fecha, mas abre-se para o não-dito. Se a visibilidade é necessária ao ser humano, ele não pode perder o mistério, o segredo, o ser, por um olhar aprisionante e onisciente. Ser encontrado, mas não devorado".

Gilberto Safra

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

POESIA



"Poesia enquanto história é relato sobre o ocorrido, sobre o tocado pelo ato criador, e consiste em dar significado ao sem-sentido, ou seja, ao não direcionado, àquilo que, por ser `plenitude eterna´, não possui em si direção alguma".

HOMERO

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Épocas que vivi

Década de 1980, marido, filhas adolescentes, e uma menor.

sábado, 2 de outubro de 2010

CÉLULAS

Na internete
este mistério,
encontro amigos
nos quatro cantos
de um mundo
nem tão redondo

geografia quântica
e sem medidas
heis o que somos

na liberdade
sem fronteiras
do universo
virtual

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

EXPERIÊNCIA

O sagrado me toca
brinco de artista
crio
choro

emoção estranha

o sagrado


OS ATRAVESSADORES

Travessia, no arquipélago Fernando de Noronha, uma ilha tão pequena que poderia ser engolida por um tubarão, é a terra dos atravessadores, seres cujos corpos são feitos de fios os mais variados: alumínio, plástico, novelo de lã, arame, cobre, fios afetivos, e ainda linhas de desenhos.
Eles andam em bandos, e nunca sozinhos.
Não são seres individuais, mas coletivos.
Não há uma Carolina, mas carolinas.
E outros.
Os atravessadores se manifestam nas mais diferentes formas. Podem aparecer como humanos, animais, anjos, demônios, ou como os ETs de Varginha. Esses seres pensam, sentem, constroem mitos e filosofias, são poetas, e têm olho de recém nascido. O mundo que os cerca está pronto há milênios, mas em cada olhar, para eles, um mundo novo se revela.
Os Atravessadores surgiram primeiro em desenhos, artesanias e outras artes plásticas, as palavras e textos são posteriores.
Abaixo exibimos imagens da vida privada dos atravessadores, captadas pela câmera de um mergulhador.

Imagem publicada _

da série _ O BEIJO


JACI _ personagem em busca de um leitor



In: Teresa na Confraria do Lixo
(Fragmentos de um dos últimos capítulos _ diálogos entre Iara e Teresa)

─ Você jogou barro também, ou só teve a ideia? Pergunta Rafael.
─ Ah, e eu podia resistir? Joguei também. Nós três juntos, um batalhão! Runeles, ao descobrir o vestido, gritava: Foi ela, a Iara. Me perseguiu todos esses meses, a capeta, filha de sereia. Os pais de Runeles sossegaram agora, porque a Marmota prometeu cuidar da filha deles, lá em São Paulo. Mas me perdoar, nem tchum. Teresa, o engraçado é que também não querem você por perto...
Iara ri gostoso, de um jeito malandro.
─ Eu? Que tenho com isso? Pelas barbas de Odim!
─ Além de minha prima, Teresa, você é uma menina. Os pais da Runeles estão com bronca de meninas espertinhas. Em Bagagem, voltaram a falar que minha mãe é uma sereia dos rios. E de você, andam dizendo que cresceu quatro anos em quarenta minutos. Tem gente que morre de medo de nós duas.

sábado, 11 de setembro de 2010




ARTE e PSICANÁLISE _ APRENDIZAGENS

Usando a metáfora da arte, a aprendizagem de psicanálise será ambígua. Na arte e na psicanálise os termos e as relações são movediços. Tomemos limite e limiar, conceitos de Walter Benjamin. A continuidade está para o limite, assim como o linear, para a ruptura da continuidade. Num momento no consultório somos convidados à suspensão, ou seja, a experimentar um limiar. O que ocorre, porém, na suspensão irrompe o estranhamento, uma vivência, outra continuidade se fazendo. Nossas vivencias criam continuidades, que por sua vez podem vir a ser rompidas a qualquer momento. Somos limite e limiar simultaneamente.
Em arte e psicanálise a meta-linguagem é fundamental. No atelier, como entre nós e nossos pares compartilhando necessariamente os acontecimentos dos consultórios, como em cada um dos lugares de nossas vidas. Por lugares me refiro ao que fazemos, às produções que colocamos no mundo. Ou coisas, no sentido de Lispector. O que fazemos enquanto psicanalistas e artistas tem vida própria, somos parte do processo, o acompanhamos, mas não temos controle sobre ele, que nos escapa. A escuta analítica, a escrita, a pintura, e inúmeros outros fazeres. Cada um de nós em seu percurso.
Para Sergio Fingermann _ artista, pintor, pensador e professor _ o que fazemos e colocamos no mundo são tentativas de narrar. Como nunca chegamos ao enunciado, diz ele, nossas tentativas fracassam. Cada tentativa de narrar fracassada é um tempo que permanece e se estende, por exemplo, nas camadas de uma tela, ou naquelas de um texto literário, ou na escuta do analista. Nossas tentativas depositam tempo no que fazemos. O que Sergio chama de fracasso, compreendo como o inacabado. Nossas obras são da ordem do inacabado, do imperfeito, assim como nós. Se não há distância entre o que somos e o que fazemos, somos tentativas de narrar inacabadas.
O olhar do pintor é construído. E a escuta analítica. No atelier de Fingermann descubro uma escuta no olhar do artista. Assim como descubro um olhar na escuta do analista. Escuta-olhar _ condições para a figurabilidade.
Escuta-olhar _ aprendizagem. Tudo que diz respeito ao ser humano é construído. As experiências em arte afetam nossas vidas, e assim, afetam o consultório. E vive versa. Vivo essas questões no atelier de Sergio Fingermann, onde há dois anos recebo aulas de pintura. Ali conversamos de arte psicanálise e vida.
Perguntei a Sergio como fazemos meta-linguagem em nosso grupo. Me respondeu _ Não somos nós, a obra faz a meta-linguagem, na medida em que se narra. Não foi propriamente uma resposta. A meta-linguagem da qual fala Fingermann, me reconduziu à inquietação quanto à importância de resgatar através das condições para a figurabilidade, a linguagem própria à obra, que nos permita escutá-la no que ela terá a dizer. Voltemos ao tempo das narrativas:
Uma pintura, um texto literário ou acadêmico, a escuta analítica _ tentativas de narrar que chamam temporalidades. Não poderíamos, no entanto, falar em primeiro ou segundo tempo. Tempo-memórias do imaginário radical, orações conjuntivas se relacionando e se misturando em deslocamentos em um tempo que se estende, o tempo da duração.
Para Castoriades, imaginário e simbólico, termos interdependentes. Sem supremacia de um sobre o outro. Diferenças, distinções, inter-dependência, atravessamentos, ambiguidades e ambivalências, certamente. Em procedimento estético trabalhamos em paradoxo, não com dicotomias que esterilizam, vida é contaminação.
Arte é aprendizagem, a presença do professor, fundamental. Mas não é possível ensinar arte, ou ensinar psicanálise. São aprendizagens que nascem do fazer. Fazendo coisas o corpo experimenta e aprende. Coisas, produções _ no sentido de Lispector.
Um dos textos freudianos do fim do século dezenove/início do XX, se não me engano, Estudos sobre a Histeria, (1903/05) traz as mulheres em seus trabalhos manuais, suas conversas sonhadoras, a consciência distraída e indolente. Olhos, mãos, o corpo todo engajado em fiar e tecer. No corpo inscrevem-se memórias. O corpo faz e sabe o que não alcançamos com nossa consciência racional, o que Freud chamava ponta do iceberg. Somos o que fazemos.
O corpo que aqui trago se aproxima da memória ou consciência corporal de Bérgson, consciência abissal, metáfora do inconsciente freudiano. Corpo da ordem do mito, que em 98 chamei corpo-de-sonho ou corpo-de-sensações.
Na arte e na psicanálise a aprendizagem não é imediata. O que demora a chegar, no entanto, não seriam os insights? Imagino que a aprendizagem que brota da experiência tenha início antes do primeiro encontro entre aluno e mestre, ou entre paciente e analista. O processo da transferência, campo ou campos de imaginário radical, no plural, o tempo da simultaneidade entre o self e outro. Transferência é campo de estranhamento, é imagem tempo.
Na Língua Portuguesa há uma diferença crucial entre ouvir e escutar. Ouvir remete ao ouvido, órgão dos sentidos. Escutar é imaginário radical. Durante anos uma analista escuta seu paciente, e ecoa para o paciente sua escuta, com as "mesmas" palavras. Ouvindo sua analista, um paciente se ouve. Um dia ele escuta o que a analista ecoa de sua fala. As palavras que parecem da analista, mas são dele, então, ganham corpo nele, e elese apossa das palavras que sempre foram dele. Nessas palavras encontra instrumentos para usar na vida. Assim se passa na formação do analista, na do artista, e na aprendizagem não didática de se experimentar paciente.

(Biografia In: A palavra in-sensata, poesia e psicanálise, e Corpo-de-sonho, arte e psicanálise).



















Bibliografia:


Accioly, E. F. A palavra insensata, poesia e psicanálise

Accioly, E. F. Corpo-de-sonho, arte e psicanálise.

(Grande parte da bibliografia).

Recentes:

Castoriades, C., A Instituição Imaginária da Sociedade. Paz e Terra, São Paulo.

Castro, R. O Anjo Pornográfico.

Battela, N. G., Clarice, uma vida que se conta. Ed Ática.

Fingermann, S., Uma Aprendizagem. Ed. BEÎ, São Paulo, 2010.


Moser, B. Clarice, Cosac Naif, São Paulo, 2009.

Wullschalager, J. Chagall, Amor e Exílio. Ed. Globo.

Coleção Taschen:

• Matisse

• Paul Cezanne

quinta-feira, 15 de julho de 2010

CASA de ESPELHOS _ de os atravessadores.



OS ATRAVESSADORES, PERSONAGENS EM BUSCA DE LEITORES...

sábado, 3 de julho de 2010

Os gatos da Amanda

Tanico e Pipo,
gatos
que me protegem
das estrelas

Tina, minha avó,
está com eles

Na Terra Flora
me cuida,

Olímpia,
irmã gata,
companheira de brincar

quarta-feira, 30 de junho de 2010

GREGOS









Apararam os cabelos do menino de dois anos, e no lugar da festa a tragédia: esgoelou de sufocar. Espantada a mãe viu o sangue correr dos fios cortados, e em cada fio, uma pequena serpente que, rabo de lagartixa podado, voltava a crescer. Viviam no reino de Medusa, e a família se apavorou. A deusa malévola certamente não admitiria outro igual em seu universo.

Enviado por precaução ao Templo de Apolo. Cabelos ofídicos faziam dele um ser das sombras. Protegido, porém, por Apolo, o deus solar, a aparência de malvado não desmentia seu generoso coração. Amado pelos que o cercavam. Nenhum homem, mulher ou bicho que olhasse direto sua face ou olhos jamais se petrificou, muito ao contrário, dançava como bambu. Ao crescer tornou-se namorador e fez grandes amigos, entre esses, um tal de Teseu.

Paradoxalmente, a única a se queixar dele foi Medusa. Correria o risco de provar de seu próprio veneno? Encontrá-lo a petrificaria? Ela assim acreditava. Acusava-o de roubo de direitos autorais. Pensava nele com tal arroubo odiento, que o fantasma daquele jovem povoou seus dias e suas noites, foi sua inconteste e grande paixão; sua imagem masculina e especular; seu avesso; o pior veneno de sua existência _ sempre à distância.

Nem Freud explica.

(GREGOS, de Eliane Accioly - Menção Honrosa no Concurso Mulheres Emergentes.
A psicóloga, artista plástica e escritora Eliane Accioly , foi uma das Menções Honrosas do Concurso Mulheres emergentes-de minicontos e poemas.Texto enxuto , oriundo de quem entende a mente humana - e dos deuses da mitologia, conferindo-lhe um sabor singular.

Clevane Pessoa _ jurada))

Publicado por Clevane Pessoa em:

http://www.clevanepessoa.net/blog.php?idb=23221

domingo, 27 de junho de 2010

Reza







Nossa Senhora dos Raios
livra-me de maus entendidos
embrulha-me
em silêncio gaivota

terça-feira, 22 de junho de 2010

gianluca



no espelho d’água
brinca o bebê
concentrado em ser

bate pernas mãos e braços
gestos
desdobrando-se
na alegria
mais que perfeita
das descobertas

com ele entro
neste instante
mágico

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Para Elchiado



Noutro dia tropecei em uma pedra.
Jurei que iria cair.
Morri de vergonha.
Nessa morte dancei, e caí de pé!

segunda-feira, 14 de junho de 2010

"O Tempo é um rio sem margens" _ Marc Chagall




Amo o fluxo
e o correr dos dias
e dos rios em mim

deixam marcas
riscos
margens
em meu corpo,
no meu rosto

Sou vastidão de rios
e dias

domingo, 6 de junho de 2010

Fragmentos biográficos: comentando biografia de Chagall



Fragmentos biográficos: comentando biografia de Chagall

Leio a biografia de Marc Chagall escrita por Jackie Wullschlager, lançada recentemente em Londres, 2008, e aqui no Brasil, em 2009. O livro tem o subtítulo: "Amor e Exílio". O "Prólogo" traz um flash da vida de Chagall e Bella, sua primeira mulher, exilados dessa vez da França, em Nova York, na década de 40, durante a Segunda Guerra Mundial, pela perseguição aos judeus. Ambos judeus russos, da seita hassídica, e ambos artistas. Chagall pintor, Bella escritora e atriz. E com eles Ida, a única filha do casal.

Marc (1900) e Bella nasceram em Vitebsk, pequena cidade, na qual se ouvia Idich por toda a parte. Muitos habitantes judeus apenas falavam Idch. Na parte da cidade onde morava Chagall, erguiam-se as casas judaicas, de madeira, "o mundo do shtetl", que eram permitidas apenas em lugares determinados pelo poder russo da Época Kzarista. A família de Chagall era pobre, a de Bella, de ricos comerciantes de jóias, os Rosemberg. Chagall não admirava o pai, e o considerava um trabalhador braçal embrutecido e fechado na própria condição. Com sua mãe viveu uma relação de amor e deslumbramento, pela tenacidade daquela mulher pequena e vital. Foi o primeiro filho e o predileto da mãe. A autora diz que, apesar de Chagall não gostar de Freud e sua teoria, ter sido bem cuidado e bem alimentado pela mãe, lhe garantiu uma boa-auto estima, que levou pela vida afora. A autora menciona também o senso de sobrevivência de Chagall. Em 1900 Freud lançou seu grande livro a "Interpretação dos Sonhos", terminado em 1899, mas reservado para ianugurar o novo século e novo milênio.

O nascimento Moyshe, o primeiro filho, "desencadeou na jovem mãe uma verdadeira paixão." Feiga-Ita, sua mãe, "tinha ambições e sonhos muito mais ambiciosos que ele (Khatstel, seu marido e pai de Chagall) era capaz de entender". (28) O marido não era alguém com quem Feiga-Ita pudesse conversar. Chagall diria em sua autobiografia:

"Se pintei quadros, é porque me lembro de minha mãe, de seus seios tão amorosamente nutritivos, a me adorar, e minha sensação é que eu poderia me balançar até chegar à Lua". (28)

Apesar da preocupação da mãe, a família vivia tão pobremente, que os filhos nunca comiam o que matasse de verdade a fome. Estavam sempre meio famintos. Embora Chagall nunca reconheça isso em sua auto-biografia, dizendo que sempre lembra de si mesmo, com um pedaço de pão na mão. Foi a mãe que o levou para aprender a pintar com Yuri Pen, professor de pintura em Vitebski, respeitado e amado por Chagall para o restante de sua vida. Pen era acadêmico, o que Chagall jamais seria.

(Neste momento meu texto não se trata de uma resenha, até porque não acabei o livro. Mas da necessidade de compartilhar com vocês alguns dos aspectos da vida de Chagall, que me parecem bem atuais).

Os judeus russos no tempo do (s) Kzar (s) mudavam de nome, na tentativa de se assimilarem. Assim "Moyshe " se tornou Marc, ao longo de bastante tempo e tentativas de encontrar "algum" outro nome mais compatível com sobreviver e pertencer não apenas à etinia judaica, como à russa. Havia a necessidade, para os judeus russos, de russificar seus nomes. Ou ocidentalizar seu(s) nome(s). Foi o caso por exemplo, de Clarice Lispector e seus familiares a mudança dos nomes. Apenas sua irmã Tânia, conservou o nome de origem.

Os judeus dos "shtetl" eram destinados a permanecerem "ali" por toda sua vida _ o que aconteceu com Khatstel e Feiga-Ita. Não tinham permissão de frequentar Petrogrado (depois Petsburg) e Moscou. Mas claro, tudo pode ser burlado, e assim Chagall estudou pintura em Petrogrado, entrando em contato com as novas tendências, eem especial as francesas, vivendo o intenso desejo de partir para a Europa, onde se encontravam os grandes artistas como Matisse, Cézanne e outros.

A primeira vez que Chagall foi para Paris, sempre com muitas dificuldades financeiras, já namorava Bella. Os pais de Bella abominavam o namoro, e a enviaram à Moscou, onde ela se dedicou a estudar Literatura, e a ter aulas de Teatro. Participou de peças teatrais, e sentia-se realizar como atriz.

Se Bella e Marc chegaram ao casamento, foi principalmente devido ao amor da jovem pelo namorado. Foi ela quem alimentou a dificil relação naquela separação, escrevendo cartas, e recebendo muito poucas respostas do então sofrido Marc. Este sempre esteve dividido entre ser Judeu e Russo. E ainda no desejo de se ocidentalizar, sem perder a orientalidade, que alimentou sua arte durante toda sua vida. Marc Chagall desde o início possuia uma abertura que lhe chegou de sua mãe. Lutou por sair do "shtetl", não apenas literal, como metafóricamente. Ou seja, do fechamento que tanto lhe doía, olhando para seu pai. E lutou para deixar a Rússia que tanto amava, mas não lhe dava condições de viver e se realizar como o gênio da pintura em que estava se tornando e se tornou.

Na época da Revolução Russa, Marc voltou para Vitebski. Foi então que ele e Bella se casaram. Então ele já era reconhecido como grande artista, fora da Rússia, embora não ganhasse dinheiro. Ou ganhasse muito pouco. Quando saiu de Paris deixou grande parte de seus trabalhos com amigos. Posteriormente suas obras foram vendidas principalmente em Berlim, e seu renome e reconhecimento tornou-se imenso, disputado por marchands e colecionadores. Embora na questão financeira continuasse quase na penúria, durante a Primeira Guarra Mundial, que coincidiu com uma das piores épocas para os judeus russos. E para a economia alemã, com a inflação galopante. Quando mais tarde ghegou à Berlim, todo o dinheiro que ganhou com a venda das obras que ele próprio considerava as suas mais importantes produções, não valia mais que um dólar.

Foi durante a década de 20 que a família de Clarice Lispector perambulou pela Rússia, até conseguirem embarcar para o Brasil. E foi na mesma época que a família abastada de Bella ficou na penúria, seu amado pai morto, e ela sem saber se a mãe estava viva ou morta. Época dos mais virulentos progroms, com milhares de famílias chacinadas, crianças abandonadas e orfãs. Chagall e outros artistas deram aulas de pintura para alguns dos orfãos dos progroms, em Malakhovka. Foi uma época em que sua pequena família _ Bella e Ida e ele próprio passaram fome. E também a época em que pintou os famosos e enormes painéis para o "Teatro Judeu", em Moscou. Teatro que pouco depois seria fechado. Os painéis se salvaram graças a amigos de Chagall, que os esconderam para não serem destruídos.

Em 1922 Marc deixou Moscou e foi para Berlim. Logo depois Bella e Ida o seguiriam. Nessa época, antes de deixar a Rússia, conto com minhas palavras, uma das passagens do livro: Marc disse que amava os judeus, e tinha dado provas disto durante toda sua vida, não com palavras, com sua obra e atitudes. Mas amava também os russos. Amava o Ocidente, e principalmente amava a Arte, os artistas, as pessoas, os desprotegidos.

Compreendo essa maneira de ser de Chagall, ser um "Cidadão do Mundo". Sem me comparar com ele, que chegou tão longe com sua arte, é o que acredito que todos nós deveríamos perseguir. Sem deixar de ser Judeu, de ser Russo, e mais tarde cidadão francês, Chagall foi Cidadão do Mundo, com sua capacidade de sobreviver, e sair do "shtetl".

sábado, 29 de maio de 2010

O cotidiano e as pequenas tragédias



Acordou sentindo-se vazia de paixão. Folha em branco sem a alegria por estar viva e ter um dia a sua frente. Um vazio esquisito de rajada no peito e na barriga, vento varrendo a praça. Nem precisa despencar em um buraco sem fundo para vivê-lo, ela era o buraco.

Pensa em Frida Khalo, pintora mexicana que a impressionava pela obra, mas também pela vida trágica. Por que Frida Khalo lhe vinha agora? Talvez porque Frida Khalo sofreu de tudo, lhe parecia, menos de falta de paixão.

Acabara de reler o livro "Frida Kahlo e Diego Rivera", de Isabel Ancântara e Sandra Egnolff. O último quadro de Frida, uma celebração à vida. Natureza morta _ melancias partidas vermelho e verde, contra o fundo azul e branco de céu e nuvens. Em uma das frutas pintadas a artista escreveu "VIVA LA VIDA".

Naquela manhã vazia a mulher envereda pelo diário de Frida, escrito entre 1946 a 54, ano de sua morte, aos 47 anos.

Em 1953, após ter amputada a perna direita, em consequência do desastre de ônibus na adolescência, Frida desenha pés e uma perna como uma coluna grega. Da perna saem galhos de roseira, espinhos sem rosas. A pintora escreveu nessa página:

"Pies, para qué los quiero
Si tengo alas pa' volar".

Frida precisava dos pés e das asas, pensa a mulher. Não se pode escolher entre uns e outras. Frida não escolheu. Em muitos sentidos a vida a escolheu e a marcou da desmesura das paixões, amores, arte, dor, alegrias e tragédias.

Como em um sonho se recorda da escolha da pequena sereia que, apaixonada por um humano troca a voz por pernas, para deixar o mar e viver o amor. O que acabaria por matá-la. Sem voz não se pode passar.

Telefona para a filha que, com dor de cabeça, diz que lhe ligaria no dia seguinte. Coloca um lagarto na panela de ferro para cozinhar. Perde os óculos, barata tonta, acha os óculos. Atende o telefone, engano. O buraco permanecia. Almoça e ele não some. Chove lá fora, e dentro uma secura. Precisa sair pagar contas, passar na lavanderia, na casa de consertos, no super mercado, muidezas necessárias. Uma preguiça.

Frida Kahlo dizia das duas tragédias de sua vida _ o desastre de ônibus e Diego Rivera.

No desastre Frida foi empalada pela própria costela, quebrou a bacia e teve mutilada irremediavelmente uma das pernas. A direita. Sofreu abortos, não conseguiu gerar um filho.

Diego foi uma tragédia porque o amou perdida e apaixonadamente. Retribuída e admirada pelo marido como mulher e artista, mas Diego sofria de uma atração incurável por outras mulheres, pelas quais também se apaixonava. O muralista conta em sua auto-biografia que quanto mais amava uma mulher, mais precisava maltratá-la, e que fria foi a maior vítima desse seu desvio de caráter. Rivera e Khalo se separaram. E se casaram por uma segunda vez.

Em um de seus auto-retratos Frida pinta um beija-flor no lugar das sombrancelhas. Suas sobrancelhas perfeitas, negras e espessas lembravam as asas de um pássaro. Ferido.

Após o acidente de ônibus podia apenas ficar deitada, era uma adolescente cheia de vida, e sentia um tédio desesperado, que narrou em cartas para o namorado, Alejandro Gómez Arias. O rapaz foi mandado para a Europa pelos pais, que o quiseram afastar de Frida. O que a salvou foi a idéia da mãe de dar-lhe material para pintar. Frida lia sobre história da arte e pintava, foi auto didata.

Ao deixar o hospital, Frida Khalo recuperou-se na Casa Azul, onde nasceu, e mais tarde em seu casamento voltou a viver ali com Diego. Morreu na casa em que nasceu.

Nos sobre-olhos de alguns auto-retratos a imagem de Diego, como um terceiro olho. Em outros Khalo pinta lágrimas, ou se mostra ferida _ uma corça cravada de flexas com o rosto humano, aquelas sombracelhas, impressão digital. Retratando seu sofrimento Frida revela e resvala no sofrimento humano.

A chuva fina afina o frio. Troca de roupa, passa um baton, talvez faça as unhas e arrume o cabelo. A pequena mulher mergulhada nas pequenas tragédias cotidianas, faz uma prece ao deus das pequenas coisas. A rajada nas entranhas se torna um ardor quase suportável. Abre a porta e descobre que o vermelho vivo e o verde encontrados em muitos quadros de Frida a acompanham. Um pequeno milagre.

Corpo de artezã





Quando pinto e bordo ou faço artes percebo no meu corpo um tempo
sem pressa.

Meu corpo então, me lembra o da vovó Sinhá, com uma agulha na mão. Meu rosto é o rosto dela. Meus pensamentos os dela. Penso muito no meu povo, na minha família, sou ela bordando e devaneando.

_ O avesso do bordado tem que ser limpo como o lado direito _ Vovó dizia.

Quando bordo preciso do corpo escarranchado, solto, relaxado; minhas pernas se abrem, os pés se apoiam no chão, palmas plantadas.

As mãos dançam __________ a direita de um jeito, a esquerda de outro. Os olhos olham as mãos, não o olhar em foco, mas o olhar amplo e periférico da meditação, aquele olhar que temos para o horizonte.

Mexo com músculos finos que nunca mexo. Depois sinto dor nestes músculos, e a dor me ajuda a reconhecê-los.

Tenho vontade de fazer o que faço.

Babo o fio pra enfiar na agulha.

Agora, neste momento meu rosto artezão é o meu rosto, solto, relaxado. (Hoje mais cedo no trânsito entre minha mãe e minha irmã, meu rosto estava endurecido).

Quando faço arte, a memória está no presente e retrocede. Lembranças muito antigas da casa de minha avó. E há também uma memória prospectiva: fazer o que ando fazendo pintar, desenhar, bordar, fazer artes _ me projeta num tempo do espanto _ como posso fazer o que não sabia que podia?

domingo, 23 de maio de 2010

Diário da Av Paulista, domingo, 23 de maio




Duas velhas com bengalas. Fiquei em dúvida se seriam mãe e filha.
Minha neta garantiu que não, deveriam ser amigas. Minha dúvida permaneceu, mas entrei na de Analu, a neta de dezesseis anos. Penso ser chocante para Analu mãe e filha usarem bengalas juntas. Uma delas deveria ser bem mais moooçaaa. Enfim, ossos do ofício. E aqui o ofício é a vida. Entre eu e minha neta, uma geração, a de minha filha, mãe dela.

Um homem Lillás passou por nós, tomando refresco. Um homem todo lilás, roupa e sapatos Croc, lilás: Lilás-Man.

E o grupo do "Abraço de Graça", diante de nós, na frente do MASP. Estávamos em quatro. Não me atirei nos braços que me atraiam. Os companheiros (marido neto e neta) se rebelariam, imaginei. Analu, minha neta, compreendeu o chamado:

"As pessoas são fechadas, eles só pedem que elas se abram".

Em seguida Analu se atirou num abraço, e eu a segui. Que maravilhoso se abrir e abraçar!!!!!!!!!!!! Revolucionário. Um abraço pode ser revolucionário.

Eliane

sábado, 15 de maio de 2010

As referências mudam.




Nos meus trinta anos, J Bat, um conhecido húngaro que encontrava-se nos seus sessenta, me contou que naquele dia à noite iria na festa de um amigo que completaria cinquenta. Pensei, "Que velhos, o amigo e mais ainda, J Bat".

Hoje fui à festa de uma jovem que completou cinquentinha...

Os poemas







De onde brotam?
Em que grotas invisíveis
se escondem?

terça-feira, 11 de maio de 2010

Os gatos da Amanda




Tanico e Pipo,
gatos
que me protegem
das estrelas

Tina, minha avó,
está com eles

Na Terra Flora
me cuida,

Olímpia,
irmã gata,
companheira de brincar

(Amanda é minha neta caçula, seis anos.
As palavras do poema são as dela,
apenas capturei sua fala).

terça-feira, 4 de maio de 2010



uma alicia e sua palaoma





A surpresa

O gato-maravilha que em mim morreu
retorna às vezes, cara redonda e invisível

Sombra errante corre
a saudade de bandos vadios
e arrepia as ruas de meu corpo

Lábio de lua crescente
fixo só na aparência
ri de mim, Alice,
prisioneira dos contrários,
o país dos espelhos
onde me extravio

na aprendizagem banal e mágica
de ser humana

quarta-feira, 28 de abril de 2010

México _ um país onde riquezas e diversidades culturais e temporais coexistem As lembranças de viagens se transformam em relatos e outros pensamento

Casa de espelhos (Série _ os atravessadores)



“Este país é, talvez, menos mágico e menos homogêneo do que quer a lenda. Como corresponde a uma sociedade de tantas culturas, há aqui múltiplas formas de fazer frente à morte dos seres queridos, ao sofrimento da agonia, à vertigem do desconhecido. De que maneira os esqueletos e caveiras se converteram em signos do nacionalismo mestiço? Como chegaram os mexicanos a persuadir-se a si mesmos de que tinham com a morte uma relação de privilégio?” (Artes do México, Risas e Cavaleras, n°67, pg56/57, 2003)


Essa contribuição modesta e breve é feita de reflexões, observações, leituras, visitas ao México, vivências, e o acesso relativo a algumas das tradições mexicanas.

O México é um país muito especial e misterioso. Otávio Paz, de certa forma, compara o México à Índia, pela multiplicidade de tradições que existem em ambos os países, embora, evidentemente, bastante diferentes.

No México de hoje em dia, há mais de cinqüenta idiomas vivos, remanescentes das antigas tradições autóctones, como a Tolteca, a Mixteca, entre outras, povos anteriores aos astecas. Estes, dizimados pela invasão espanhola. O México invadido e devastado nunca foi, no entanto, completamente colonizado. A cultura espanhola e européia tornou-se parte imorredoura das raízes mexicanas, porém, é uma entre outras das inúmeras tradições desse povo. As tradições ancestrais sobreviveram escondidas, transmitidas oralmente de geração para geração.

Os livros de Carlos Castaneda são uma das fontes de informação da tradição tolteca, transmitida às linhagens de pessoas, não necessariamente mexicanas, pelo menos nos últimos tempos. Essa transmissão, no entanto, cria uma espécie de família não consangüínea, de laços muito fortes, porém, laços de linhagem de uma aprendizagem de outros jeitos de ver e estar na vida. Outras concepções de vida. Carlos Castaneda abriu a possibilidade de que muitos pudessem conhecer o que antes era restrito a pequenos grupos. Além dele há outras fontes vivas de transmissão, agora abertas às pessoas que as procuram, uma das características de nossa atualidade.

Quem entrar no Museu do Homem, na Cidade do México, poderá se maravilhar com o espaço dedicado à Cultura Tolteca, anterior à Asteca.

Estive no estado de Oaxaca, no “XI° Encuentro de las Mujeres Poetas en El País de las Nubes”, em 2003, quando ouvi poemas declamados na língua mixteca. Naquela ocasião visitamos pueblos, e tivemos a experiência de ouvir outros idiomas falados e vivos. Estivemos em escolas e nos reunimos e trabalhamos com alunos. Os idiomas (ou a linguagem) bastante amplos, são feitos também de danças, cantos, apresentações, roupas, e não só de palavras. Fomos agraciadas com vários espetáculos, apresentados por grupos de jovens.

De nossa parte oferecemos poesia nas escolas, em praças públicas, em ruínas astecas, em igrejas. E também oficinas de poesia. No idioma mixteca, a palavra Mixteca quer dizer Pais de las Nubes.

Para chegar ao estado de Oaxaca tomamos um ônibus fretado, que partiu da Cidade do México, que encontra-se por volta de 3.000 metros acima do nível do mar. A região que atravessamos subia em altura, à medida que seguíamos. O nome País de las Nubes vem dessa altitude elevada. Nessa região as nuvens ficam muitas vezes à nossa altura, e nós as atravessamos. Nessa viagem em direção ao sul do México, encontramos ampla região semi árida onde só víamos altos e fantásticos cactus: uma floresta deles. Fiquei em transe.

Esses encontros são organizados pelo poeta Emilio Fuego, ajudado por poetas espalhadas pelo mundo, entre as quais a poeta mexicana Lina Zeron. E pelo povo do estado em que vive: Oaxaca. No encontro do qual participei éramos 40 poetas, de várias nacionalidades e línguas. Apesar de estarmos no México, entre as poetas a língua na qual conseguíamos nos comunicar foi o Inglês. Embora meu portunhol tenha me ajudado com as poetas de língua espanhola. Com o povo não, me comunicava com a língua corporal e mímica universais. Líamos os poemas na língua materna de cada uma, e uma poeta de língua espanhola os lia para nós. Assim, ouvimos poemas em Danez (Dinamarca), Hebraico, Inglês, Mixteca, Português, além do Espanhol.

O objetivo de Emilio Fuego com esses encontros que se repetem a cada ano é levar a poesia para os pueblos de sua região natal, e onde ainda vive, a região chamada de Mixteca pelo povo mexicano, no estado de Oaxaca. Segundo Emilio e o depoimento das pessoas locais, esses encontros fazem toda a diferença, porque poesia não se ensina, mas contagia. Nos pueblos visitados pelas poetas as pessoas são sedentas de poesia. O México que visitei é um país de poetas anônimos, que poderão deixar de ser anônimos, devido à qualidade de sua poesia.

Frida Khalo, pintora mexicana, uma artista da qual estou próxima por meu interesse, curiosidade e vontade de aprender, nos mostra com seu trabalho e idéias a complexidade de seu país. Seu pai era alemão, sua mãe mexicana, descendente de índios. A pintora teve uma ama índia, que retrata em “Minha Ama e Eu”, ou “Eu Sugando”, (1937, óleo em metal, 30,5x34,7 cm, “Museu Dolores Olmedo Patiño”, Cidade do México). Frida Khalo era muito ligada ao pai, e com certeza, à tradição alemã-europeia. Frida, por exemplo, era marxista militante, embora não materialista. Para Frida o mundo era vivo, ela estava em contato com a Terra, o Sol, os seres vivos, fossem humanos, animais, plantas. A tradição autóctone lhe foi transmita mais fortemente por sua babá que pela mãe. Transmitida com o leite e contato corporal, a fala, e provavelmente cantigas e histórias em algum dos idiomas autóctones, o da ama. Quem sabe, a cultura Tehuana? Khalo em fotos e auto retratos aparece vestida no tradicional traje de uma dama Tehuana.

A exuberância dos quadros de Frida, na minha modesta percepção, não vem da Europa. Frida foi uma artista auto-didata, e o que em sua obra se assemelha ao surrealismo, penso eu, é uma explosão de sua sensibilidade, de sua ligação com a Terra, o Sol, o firmamento, que em sua pintura e diário ela trata como deuses. E, evidentemente de seu enorme talento pessoal.

A morte para o mexicano

Me intriga no México, o contato que o mexicano tem com a Morte. Morte, com letra maiúscula, personagem que aparece sob formas jocosas: andando de bicicleta, a cavalo, com máscaras sorridentes, saindo de flores ou de ovos parecidos aos nossos ovos de páscoa, casais de noivos, nua ou vestida variadamente. São objetos feitos de lata, pequenos ou grandes. Há também doces com o formato de ovos, com a (s) cara (s) da Morte. Os mexicanos que conheci usam tais objetos de lata para enfeitar suas árvores de natal.

No México fomos hospedadas por pessoas de diferentes classes sociais. Todos nos davam o que tinham de melhor. A viagem terminou em Oaxaca, cidade próspera e rica. Na casa de uma matriarca comi pela primeira vez, frango com molho de chocolate, um prato típico. Oaxaca, para meu encanto, foi um dos lugares em que Don Juan e Carlos Castaneda se encontravam.

Em um afresco de Diego Ravera, “Sonho na tarde de um verão”, (in Parque Alameda _ 1947-48) a Morte aparece vestida como dama requintada, entre uma multidão de pessoas, na qual encontram-se Frida e o próprio Diego, pintado como um menino. Diego foi marido e a grande paixão de Frida Khalo.

O dia dos mortos, 2 de Novembro, em finados, tem no México um significado diferente do que para nós, aqui no Brasil, quando comemoramos e lembramos os nossos mortos. No México, finados engloba os mortos familiares, mas os transcende, porque é um dia que se comemora principalmente a Morte, como uma existência, uma presença. É um dia de festa, comilanças, procissões de pessoas festivas, vestidas em suas melhores roupas.

Não é que não haja dor pela perda de pessoas queridas. A dor é humana, e está em todos os lugares. Mas no México, dia 2 de Novembro, a dor aparece barulhenta e festiva, gulosa de guloseimas, como doces e chocolate.

Na transmissão de Don Juan Matos, o mestre de Carlos Castaneda, cada um de nós nasce com sua própria morte. Segundo o cristianismo nascemos com nosso Anjo da Guarda. Pela sabedoria tolteca nascemos com nossa Morte, que fica ao nosso lado esquerdo e nunca nos toca, a não ser quando morremos. Mas para Carlos Castaneda, (para mim o Platão dos nossos tempos, enquanto Don Juan fica para mim como o Sócrates contemporâneo), a Morte pode e deve tornar-se nossa aliada. Para isso é necessário um trabalho de autoconhecimento que dura toda a vida. A Morte como aliada estará sempre nos lembrando que não somos eternos, e não temos muito tempo. Por isso, precisamos aproveitar nosso tempo de vida com todo nosso afinco. Quando a Morte se torna nossa aliada, antes de partirmos com ela, dançamos para ela a última dança.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Noite




Depois da maratona do dia preciso brincar um pouco.

Quem virá?



Quem escutou o chamado?

Vivi nesta quarta feira
um enxame de instantes

segunda-feira, 26 de abril de 2010



DIÁRIO de DOMINGO NA AVENIDA PAULISTA


Dois homens vestidos de mulher, um jovem caipira carregando uma trouxa, uma moça vestida de menina. Os quatro, uma trupe. Pela pressa, a caminho do trabalho. Invejavelmente na deles.
Uma noiva descalça pousava para fotos.
Um hipie velho que faz e vende colares fechava a banca e corria pra não perder o futebal.
Na feirinha do MASP amigos brindavam a vida com sorriso e champanhe.
Passeata contra a vivissecção parava o trânsito e os pedestres..
Uma senhora idosa art nouveau, enorme chapéu cor-de-rosa,
e sua jovem neta, calça jeans.
Casais os mais variados, jovens de skate, crianças, gêmeos, mulheres com turbante, indianos, chineses, turistas variados loiros e ruivos, nariz vermelho e bermudão.

Pequenas e abelhudas percepções.

domingo, 25 de abril de 2010

MUDANÇA


MEU NOVO ESPAÇO
A CABINE DE UM NAVIO
SINGRO O DIA
DENTRO E FORA DE CASA
FORA E DENTRO DE MIM

segunda-feira, 19 de abril de 2010

DICAS






Dicas de livros que li em 2010 e que gostei muito. Daqueles que fico triste quando acabo de ler:

"A elegância do Ouriço", Barberi Muriel.
"O filho eterno", Cristovâo Tezza.
"A chave da casa", Tatiana Salen Levy.

sábado, 17 de abril de 2010

Rei Guilherme, o Breve

Guilherme, dez anos agora em setembro (2009).

Me sentia o rei, dono de minha casa e dos bichos que por aqui vivem. Tem árvores em volta dela. Sabiás, bem-ti-vis, maritacas, papagaios, uma coruja branca e outra rajada, e os gaviões. Ah, e Chiquinha, cadela de uma raça Sul Africana, que Papai acha foi maltratada antes de vir pra nossa casa. Ela é carente, e tem medo de chuva, principalmente as de raio e trovão.

Como sei que Chiquinha é carente?

Desde bebê ela mostrava os dentes para qualquer pessoa de fora, até para minhas avós Eliane e Gisela, que ainda hoje falam com ela como se a cachorra fosse gente. Acho que fazia isso por medo de ser machucada. Minhas avós fizeram de tudo para conquistar a Chiquinha, e acho que agora as três são boas amigas... mas colocar a mão no bicho nenhuma das duas coloca, apesar de bem tratá-la.

O cuidado de minhas avós com as próprias mãos veio depois de Chiquinha dar-o-chega-pra-lá na Oma, marcando seu braço com os dentes. Só arranhou, mas Oma sentiu-se traída. Se fosse comigo eu também me sentiria. Olhei para vovó Eliane e vi nela um desconcerto. Desconcertar é quando a gente se sente desconjuntado, assim meio fora do lugar. Oficina pra concertar gente não tem, como pra concertar sapato e roupa.

Um dia Alicia, nossa vizinha andava pela rua com os netos João, Pedro e Antônio, que são menores que eu. Do lado de dentro do portão Chiquinha esgoelava pros quatro. Passeavam na rua, e nem iam entrar em casa. Fiquei curioso e vim ver que barulhão era esse que minha cadela fazia, e parei pra conversar. Alicia falou:

_ Chiquinha é muito brava?!

Respondi que não, não era braveza, era carente. Contei pra Alicia e pros meninos como imaginamos a história de infância de Chiquinha. Alicia, colega de vovó Eliane, as duas são terapeutas de gente, não de cachorro. Bem, ela e os netos ficaram me ouvindo. Alicia que sempre conversa muito dessa vez ficou calada, só me olhando. Depois vovó contou que ela ficou impressionada comigo e não com Chiquinha. Se entendi bem, Alicia me acha um filósofo.

Perguntei pro papa o que é filósofo, tive dúvida se era elogio ou xingação. Papa contou que filósofo é um homem que pensa. Pensar penso, será que sou filósofo? Ah, é coisa de gente grande, nem sei se quero ser filósofo, por enquanto gosto de surfar.

Mas do que tenho saudade é de quando eu era o rei de minha casa, e daquele quintal. Até pensava em mim como Rei Guilherme. Aí aconteceu.

Um casal de gaviões fez ninho no abacateiro e botou ovo. O gavião achava que era ao dono de tudo aquilo. Falei pro Papai: "Não é justo, você que paga o IPTU". "O gavião não sabe disso", Papai falou.

Os ovos foram o máximo. A gente podia ver do escritório da Mamãe. O gavião dava rasantes em todo mundo que passava perto do abacateiro. Aconteceu comigo e com todos nós. E comecei a duvidar de meu reizismo.

Pedi pro Papai expulsar o gavião, o que ele recusou, o IBAMA ia brigar. O bichome derrubou, me atirei de barriga ao chão, pra não ser atingido pelo rasante dele.

Zanguei-me deveras quando papa falou em comprar um capacete de motoqueiro pr´eu andar no jardim. Respondi:

_ Papai, está maluco? Aqui quem manda sou eu! Se o gavião quiser ele que use capacete!

_ Por que? Você dá rasante nele?

_ Claro que não, se nem voo!

Bem, Papai não comprou capacete nenhum, no lugar disso assistimos dia a dia os ovos chocados. E cada gaviõzinho deixar o ninho, crescer e poder voar.

Os gaviões não atacam mais. Sem as crias pra proteger estão calmos. Desistir do abacateiro não desistem. Outro dia quem quase pagou o pato foi um papagaio, xereta de abacate. Achei que o papagaio ia pro papo. O gavião voavae assentava num galho de cima, e a gaviôa assentava no galho de baixo. Caçavam juntos. O papagaio xereta pulava de galho em galho. Os gaviões cercavam o bicho verde e laranja, gritando feito um montão de maritacas. Teretecoteteco, barulheira de um bando, não um só. O papagaio fugiu. Barriga cheia de abacate os gaviões deixaram, não precisavam de carne de papagaio, que deve ser dura de roer.

Desisti de ser rei e não só daquele pedaço. Muito custoso ser rei. Se eu fosse rei odiaria gaviões. Agora sei que nem Chiquinha é minha. Ela acha que é a minha dona, de meus pais, da minha irmã e da nossa casa. Vai ver por isso deu o chega-pra-lá na Oma. Se bobear, Chiquinha acha que é dona até dos gaviões. Bicada não vai levar, odeia abacate.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

CUIDADO COM O QUE DESEJA


Nina ganhou do pai o Angorá.
Chamou-o Reno, que sabia nome de rio.
O Rio Reno corre longe do agreste cerrado de Goiás, nos campos cultivados da Europa,
O Gato Reno, porém, passava seus dias com Nina.
Um gato engraçado, no grude com sua dona,
felino manhoso que seguia Nina, e abanava o rabo quando a avistava.

Um dia passeava com o Gato, no bosque de jatobás.
Nina apanha uma fava graúda no chão, acabada de cair do galho.
Gosta muito da fruta seca e áspera.
Abre a fava, com a ajuda de uma pedra.
Não era uma fava comum aquela, abrigava um gênio.
Aliás, o aprisionava.

O Gênio quase mata Nina de susto, aparecendo em alto estilo, provoca uma nuvem de poeira esverdeada. Ela precisou limpar-se do pó, batendo as mãos na roupa e no corpo, para enxergar aquele ser minúsculo, que em seguida lhe ordena, mais que pede:


_ Um desejo, menina, só um. E você me libertará.

A única testemunha do fato encantado, além de Nina, o Reno, macio e quente, enconstando nas pernas da dona e ronronando, como se nada acontecesse.
Em meio ao espanto Nina berra:

_ Quero o Reno comigo para sempre!

Desta vez, não foi uma nuvem de poeira, mas uma explosão de pó e faíscas verde musgo.
Nina cai sentada, tosse, espirra, e quando abre os olhos,
encontra em seus joelhos, um gato de porcelana igual ao Gato Reno.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

De mudanças e de diários

Estou mudando de casa.
Não mudei tanto assim em minha vida, mas cada mudança de casa é para mim também mudança de vida, outra etapa se inicia.
Mudanças são tempos de encontrar "coisas". E de perder muitas e muitas coisas. De se desfazer não apenas de objetos, mas de hábitos e formas de viver.

Nesta mudança encontrei diários, inclusive um de quando eu tinha 14/15/16 anos. No diário inocente, uma menina falava de fatos...
E de alguns acontecimentos. Relendo-o percebi que não tinha acesso, naquela idade, aos meus sentimentos como procuro hoje. Também percebi que era muito romântica e preocupada em conhecer o amor.

A diferença entre "fato" e "acontecimento"?
O fato é descritivo, direto. Por exemplo:
"Almocei da casa de vovó Lelé; encontrei com meus amigos, andei de bicicleta".

Um acontecimento não é direto, é filtrado por percepções, sentimentos, por paradoxos. Escrever esta crônica, por exemplo, gostaria que fosse da ordem do acontecimento. Esta crônica ou qualquer outro escrito.

Aconteceu comigo agora, nessa fase, de jogar fora e me desfazer de diários e mais diários. Me desfiz deles ou porque achei a linguagem confusa, ou porque eram "diretos" demais, factuais.

Do pequeno diário vermelho de couro que mencionei acima, no entanto, não me desfiz. Ainda. Ele é resvalado por acontecimentos, e tem histórias engraçadas. E tenho agora uma neta que tem a idade que eu tinha no tempo do diário. Resolvi que vou mostrá-lo a ela, que é muito curiosa de como eu era quando jovezinha. Isso transforma aquele diário em um acontecimento? Acredito que sim. Um encontro entre o passado e o presente, revelando uma jovem que hoje é avó.
Postado por Eliane Accioly às 17:10
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sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Poesia aqui e ali

Foi fazer uma ultrasonografia mamária.
Entediada, assustada mesmo sem perceber.
O médico, parece um menino e lhe pergunta:

_ A senhora tem filhos?

_ Tenho três filhas, todas mães, tenho vários netos.

Ali deitada percebe, na TV de onde pode assistir ao exame, o mar alto.
Afirma ao médico:

_ Mas o que vejo é o mar!

_ Sim, parece o mar _ o médico responde.

_ O corpo humano inteiro é assim? Como o mar?

_ Não, só as glândulas mamárias.

_ Só os seios? Incrível! _ Ela diz.

_ O pior é que é _ Responde o médico.

Por um instante, a senhora avó e o jovem médico, seres humanos nos mistérios da vida.