segunda-feira, 4 de junho de 2012

A quarta neta


















A quarta neta




Era uma vez a Carolina, uma menina de sete anos.
Xereta.
Perguntadeira.
Desconfiada.
Ciumenta.

Taurina e loira.
Cabeçuda, brava.
Neta de alemães pelo lado paterno.
E pelo materno, mineirinha de seiscentos anos.
Uma mistureba.

Carolina gosta muito da vovó Eliane, mas acha que para a vovó mineira, ela é só a quarta neta, “Que mico ser a quarta neta!”, “Não sou mocinha como a Ana Luiza, nasci depois do Gianluca e do Guilherme, e nem sou a caçula, como a Amanda”, pensa. As coisas que Carolina mais detesta são:

1- Ser a quarta neta, nem a mais velha, nem a caçula.
2- Quando o irmão, o Guilherme, um ano e sete meses mais velho bate nela.
3- E quando o Guilherme a arrasta e puxa pela roupa no corredor da escola, na frente dos colegas! Uma vergonha!

Por conta de uma arrastada Carolina deu um tapa merecido e estalado na cara do Guilherme. O tapa fez plaft, e ficou grudado na bochecha dele, escorrido, um tomate esborrachado. Vovó Eliane não viu Guilherme arrastar a Carolina, só viu o tapa estampar a cara do neto, e desenhar um mapa, ouviu o plaft! E chiou:

_ Não se bate assim no irmão, Carolina!

A menina ficou mais vermelha que o tapa na bochecha do irmão, e sentida com a vovó:

“Ela protege o Guilherme! Gosta mais dele que de mim! Não zangou dele me arrastar.”

Quase chorou, mas no lugar das lágrimas fechou o rosto, que ficou mais redondo. A boca de Carolina se abriu naquele rosto cor de rosa e redondo, e falou para a vovó:

_Você não manda em mim. Só a minha mãe!

Vovó ficou impertinente:

_ Avó também educa, Carolina!

E querendo ser engraçadinha, vovó continuou:

_ E quando a neta vê a vó educar diz: “Obrigada, vovó”.

Carolina sentiu que era um balão e teve medo de estourar e virar pedaços de borracha. Não um balão cheio de gás, um balão cheio de ira por causa da vovó. Até esqueceu o desaforo de ser puxada pelo Guilherme na frente dos colegas. De novo a boca se abre no rosto redondo e diz:

_ Não vou agradecer, vovó Eliane! Sou diferente de toda criança! Não quero mais ir para a casa da vovó.

Mas, Carolina foi para a casa da vovó Eliane. Era sexta feira, o dia de vovó Eliane pegar Carolina e o Guilherme no colégio. Passam pelo Super Mercado e compram salada. Carolina de braços cruzados finge que nem tem avó, mas anda atrás dela, com medo de ficar perdida. Já ouviu contar de criança perdida, e acha uma coisa muito triste. Suspira: “Vida de criança é difícil!” Chegam à casa dos avós. Carolina sente o cheiro de pastel.

Ainda está zangada, mas, o cheirinho de pastel... A menina come um monte de pastel de queijo, os que gosta. Vovó pede para Néia fritar tantos quantos a neta quiser. Para o Guilherme tem pastel de carne. Carolina pensa que inventou gostar de pastel de queijo, porque precisa ser diferente do Guilherme. “Graças a Deus a vovó agrada nós dois”, pensa a pequena mastigando um pastel crocante. Estão na mesa quatro pessoas, dois adultos, vovó e vovô, e duas crianças, Carolina e o Guilherme. A raiva fica amarrada ao pé da mesa. Carolina está feliz de não ter explodido como um balão. Continua inteira. Toma sorvete de sobremesa e considera, “Quem sabe a quarta neta também tem lugar no coração da vovó?”.

Mas, nesse pedaço Carolina fica muito triste, e começa a chorar de soluçar. Vovó Eliane senta a neta no colo e pergunta o que está acontecendo:

_ É por causa da vovó que você chora?

_ Não, vovó, é por causa da mamãe e do papai. Mamãe viaja muito. Está na Venezuela e só volta amanhã. Papai viaja muito, está em Brasília, e volta hoje de noite. Eu fico muito triste e tenho pesadelo.

_ Ah! A vovó entende você porque já fui criança, e também ficava triste quando meus pais saiam de noite e eu ficava em casa. Me lembro até hoje, vejo agora quando você fala dos seus pais, é como eu me sentia.

_ Você quer ficar perto dos seus pais, vovó?

_ Não, meu amor. Agora cresci e tenho uma neta chamada Carolina, estou com ela aqui no meu colo.

_ Vovó, você viu o Guilherme me arrastar no colégio?

_ Não vi. Foi por isso que você deu o tapa nele? Porque ele arrastou você?

_ Foi.

_ Então, peço desculpas. Você me desculpa, Carolina?

_ Desculpo, vovó.

Carolina ainda sentada no colo da vovó. Vovó levanta, de mãos dadas com ela. Vão para o sofá, e quando a quarta neta vê, vovó Eliane está contando uma história:

“Era uma vez a Carolina, uma menina de sete anos:
Xereta.
Perguntadeira.
Desconfiada.
Ciumenta”.

É a história que Carolina acaba de viver. A menina se aconchega na avó e pensa:
“Essa minha avó Eliane! Sei não!!!!!!!!!!!!”

3 comentários:

  1. O relacionamento entre avós e netos é realmente muito especial para ambas as partes...há muita cumplicidade, muita confiança e também muita amizade, talvez porque o relacionamento não está atrelado a nenhuma forma de poder e apesar da diferença de idade é quase de igual para igual.Pelo menos era assim que eu me sentia co relação minha saudosa avó.Um abraço

    ResponderExcluir
  2. Oi, Eliane. A conduta de Carolina parece com a de minha netinha Amanda. O ciúme dela me faz rir. Ao mesmo tempo, a aconchego no colo e reafirmo que meu amor por ela e os demais netos é tão grande que não dá para medir. Coisas da avós e netos.
    Adorei sua forma cíclica de contar a história de Carolina. Um afetuoso abraço, querida.

    ResponderExcluir
  3. Oi Eliane querida, tdo bem?
    Não tenho netos ainda, mas vejo como tem sido linda a relação que meus filhos estão construindo com mamãe, mesmo ela não estando bem de suas faculdades mentais...
    Gostaria de ter tido uma relação assim tbém...
    bju amada
    Com amor
    marly

    ResponderExcluir