sábado, 17 de março de 2012

Tradução poética, ou não tradução?

(No Atelier de Pintura do qual participo semanalmente, ali pintamos, e também refletimos: O que é a arte?)

         




          Um poema, ou a grande literatura, como Clarice Lispector ou Roberto Balaño que acabo de ler pela primeira vez _2666, são transportados a outras línguas maternas, certamente. Mas não se pode falar em tradução. Haroldo de Campo dizia que um poema é não traduzível, e a não tradução ele chamou de transcriação. E o que é isto?
          Em 1919 Victor Chilovski cria um conceito:  A  arte como procedimento estético.  Para ele o poeta desloca um objeto, um signo, uma palavra do lugar corriqueiro e banal do senso comum, e cria um contexto que possui suas próprias leis, ou relações.  Como um ideograma, cujo contexto encontra-se nas relações entre os caracteres. Tal contexto não obedece às funções referenciais da linguagem.  
          (Cada língua é uma cultura, uma maneira de pensar. Um chinês, por exemplo, pensa de maneira muito diferente do ocidental, pois não apenas sua escrita é ideogramática, e a língua falada não é gramatical. Um chinês não pergunta se você está com medo. Ele diz: Vejo medo em você. Para pensar a ciência ocidental, por exemplo, um chinês recorre ao inglês. Haroldo de Campos dizia que um chinês pensa em imagens, e sua escrita ideogramática é imagética. Neste sentido, a escrita ideogramática se aproxima da literatura e da poética, e se difere do que conhecemos como linguagem discursiva. Em qualquer língua literatura se faz de imagens, diferenciando-se da linguagem discursiva).
          Também em 1919 Freud cria o conceito Das unhimiliche, expressão alemã cheia de ambiguidades.  Como Chlovski Freud fala da perda das referências que nos levam a desconhecer um objeto, e assim, a estranhá-lo.  Esta expressão, Das unhimiliche, é não traduzível.  Pierre Fèdida, psicanalista francês de origem nigeriana, judeu, transporta a expressão Das unhimiliche para o francês como: o estranho íntimo. Fèdida desenvolveria o conceito de estrangeiro.  Para ele o artista e o psicanalista são estrangeiros.  Vivem o estranho íntimo em suas vidas.  Em estado de risco, sem as garantias que a linguagem referencial procura oferecer, nos contando como é uma cadeira, por exemplo, e para o que ela serve.
          Trata-se de conceitos que não apenas podemos estudar, como viver. São conceitos- vivências.  O poema é da ordem do visual, do auditivo, do palpável, possui uma materialidade.  As palavras e a língua materna são a matéria prima bruta do poeta.  Assim, o poema pode viajar para outras línguas maternas.  Mas se escutamos um poema recitado em português, talvez não o reconheçamos caso seja recitado em espanhol; duas línguas neolatinas parecidas e estranhamente diferentes entre si.  Caso o poema em português seja transportado para uma língua não fonética, como o hebreu, ah, que outro poema. A qualidade da sonoridade de uma recitação pode em si, nos contar da qualidade do poema. E se olhamos para o poema na língua materna do poeta, e em seu transporte para outra língua materna, enxergamos a diferença, como se quadros que criam uma poética em seu conjunto, sendo o outro do outro.
          Descobri um livro de poesia de uma autora polonesa. Poemas em português, e o original em polonês. Comprei-o após ler um poema, A alegria da escrita. E também pela capa estampando a foto da poeta diante de uma xícara de café, semi-escondida pela fumaça de um cigarro e pela mão que o segura.  Trata-se de WISLAWA SKYMBORSKA, não-traduzida por: Regina Przybycien.  O não-tradutor precisa como o poeta, ser poeta, ou seja, estrangeiro. Um estrangeiro em sua própria língua, que aliás, de certa forma, lhe pertence e não pertence. O poema  A alegria da escrita em português e polonês são distintos visualmente, para mim que não leio polonês.  Podemos enxergar diferentes desenhos e ou texturas.  São diferentes desenhos, ou texturas.   Seria maravilhoso se alguém aqui pudesse ler este poema em polonês. Escutar a melodia do poema em polonês.
         No pequeno texto retirado do Google que enviei a vocês do Alberto Giacometti, o pintor suíço cuja exposição estará na Pinacoteca a partir de 24 de março, há algumas linhas que dizem:  As personagens isoladas ou em grupos, criam um sentido de descontextualização.  Esta linha diz pelo negativo, o que procuro dizer pelo positivo.

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