A
psicanalista e sua cozinha
“O livro Neurótico de
Receitas” de Ana Cecília de Carvalho _ psicanalista, professora, escritora,
poeta, oferece receitas, narrações de histórias, dicas que parecem óbvias
depois de lidas (escutadas), mas para nós surpreendentes, pois nunca antes pensáramos
nelas. Os cinquenta capítulos, associação da autora ao tempo da sessão
analítica, trazem “regras de ouro”, tais como a limpeza que uma cozinha precisa
_ panelas brilhantes, louça impecável, e mãos recém-lavadas, cada vez que
formos preparar um prato; e o mínimo
que precisamos ter em nossa cozinha “para salvar nossas vidas”, nos permitindo
preparar um prato delicioso ao voltar exaustos de uma viagem. A cozinha precisa
de requinte, ela se estende à sala de jantar, a toalha que cobre a mesa deve
ser bordada, a louça de qualidade, talheres de prata, cristais raros. O que
quer dizer, cercar de amor a quem oferecemos a refeição. A comida deve ser boa
e farta, quem alimenta não quer que saiam famintos. Clarice Lispector escreve
contos de almoços e jantares, e em “Água Viva” pede à empregada: “Me alimente”. Alimentar é função materna, não importa
se quem alimenta é mulher ou homem.
O
livro mostra também que a cozinha é parte fundamental da loca onde imaginário e
simbólico não se desvinculam: o que chamamos de língua materna _ matriz da
poesia e de todas as artes. Língua materna quer dizer etnia, ou seja, a
importância em cada um de nós de nossa ascendência e tradições, e do lugar de
onde viemos.
Mineira,
Ana Cecília vive meio ano em Belo Horizonte, e a outra metade em Austin, nos
Estados Unidos. Guiados por ela passeamos pela cozinha Kasher de sua avó,
Assistimos ao pai trancando a porta da cozinha, para que a vizinha invejosa não espie, e com seu olho gordo, faça
murchar o bolo de milho. A linguagem de
Ana traz o presente porque as tradições que passam de uma geração a outra são
atemporais, parte da história sem datas e monumentos, do que permanece vivo por
séculos, o sabor de um doce, a madeleine
de Proust.
Ana
cozinha ao vivo, quer dizer, não se
trata aqui se comida requentada, pronta antes da chegada dos felizardos, mas da
comida feita na hora, e muitas vezes inventada, como quando junta as mangas e
as bananas que acabara de ganhar de alguém que chegara de surpresa, ao frango
que ainda pensava como preparar. Outro segredo, à mesa sempre cabe mais um.
Por
se repartir entre Minas Gerais e Estados Unidos, a tradição norte americana
entrou em sua cozinha, e ela descobre que um país brota de suas receitas
culinárias. Aqui as tradições seriam
para Ana Cecília as memórias prospectivas
de que falam Deleuze e Guattari. Criamos memórias o tempo todo, e seria
interessante para nós nos apropriarmos delas.
Cozinhar
é uma coisa muito séria, no sentido que Winnicott atribui ao brincar da criança. Brincar é
ludicidade, é abrir horizontes e criar poéticas, é retirar a palavra ou objetos
do lugar comum da linguagem para criar o contexto de um poema; ou o de uma
receita. Algo que se abre para nós na infância e que carregamos pela vida. Esperemos
que sim!
Uma
das curiosidades que encontrei na cozinha de Ana, os cogumelos são crus, e
precisam ser limpos, picados e preparados, diferentemente dos que compramos
enlatados. Uma das histórias _ a filha da autora ganha cogumelos, sendo
solicitada para prepará-los. Sem saber o que fazer com eles, lava-os,
demoradamente, aguardando inspiração. Quando o namorado deixa o computador onde
procurava receitas para os cogumelos, entra na cozinha, surpreende-se ao ver a
moça animada, e lhe pergunta: _O que você faz? _ Estou brincando, lhe responde.
O que resultou em uma invenção ganhou
o nome de “Cassarola de cogumelos à La D.Winnicott”. Está publicada.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirParabéns pelo livro:)!
ResponderExcluirWinnicott, o homem que chamou a atenção para o brincar da e com a criança; entre outros pontos!
Bjo
Hola ELIANE, Felicidades por tu blog, siempre es un placer visitarte.
ResponderExcluirSaludos, Maribel M.B