sábado, 26 de maio de 2012

A psicanalista e sua cozinha















A psicanalista e sua cozinha

 Resenha de Eliane Accioly
De "O livro Neurótico de Receitas"
de Ana Cecília Carvalho

“O livro Neurótico de Receitas” de Ana Cecília de Carvalho _ psicanalista, professora, escritora, poeta, oferece receitas, narrações de histórias, dicas que parecem óbvias depois de lidas (escutadas), mas para nós surpreendentes, pois nunca antes pensáramos nelas. Os cinquenta capítulos, associação da autora ao tempo da sessão analítica, trazem “regras de ouro”, tais como a limpeza que uma cozinha precisa _ panelas brilhantes, louça impecável, e mãos recém-lavadas, cada vez que formos preparar um prato; e o mínimo que precisamos ter em nossa cozinha “para salvar nossas vidas”, nos permitindo preparar um prato delicioso ao voltar exaustos de uma viagem. A cozinha precisa de requinte, ela se estende à sala de jantar, a toalha que cobre a mesa deve ser bordada, a louça de qualidade, talheres de prata, cristais raros. O que quer dizer, cercar de amor a quem oferecemos a refeição. A comida deve ser boa e farta, quem alimenta não quer que saiam famintos. Clarice Lispector escreve contos de almoços e jantares, e em “Água Viva” pede à empregada: “Me alimente”. Alimentar é função materna, não importa se quem alimenta é mulher ou homem.

O livro mostra também que a cozinha é parte fundamental da loca onde imaginário e simbólico não se desvinculam: o que chamamos de língua materna _ matriz da poesia e de todas as artes. Língua materna quer dizer etnia, ou seja, a importância em cada um de nós de nossa ascendência e tradições, e do lugar de onde viemos.

Mineira, Ana Cecília vive meio ano em Belo Horizonte, e a outra metade em Austin, nos Estados Unidos. Guiados por ela passeamos pela cozinha Kasher de sua avó, Assistimos ao pai trancando a porta da cozinha, para que a vizinha invejosa não espie, e com seu olho gordo, faça murchar o bolo de milho.  A linguagem de Ana traz o presente porque as tradições que passam de uma geração a outra são atemporais, parte da história sem datas e monumentos, do que permanece vivo por séculos, o sabor de um doce, a madeleine de Proust.

Ana cozinha ao vivo, quer dizer, não se trata aqui se comida requentada, pronta antes da chegada dos felizardos, mas da comida feita na hora, e muitas vezes inventada, como quando junta as mangas e as bananas que acabara de ganhar de alguém que chegara de surpresa, ao frango que ainda pensava como preparar. Outro segredo, à mesa sempre cabe mais um.

Por se repartir entre Minas Gerais e Estados Unidos, a tradição norte americana entrou em sua cozinha, e ela descobre que um país brota de suas receitas culinárias.  Aqui as tradições seriam para Ana Cecília as memórias prospectivas de que falam Deleuze e Guattari. Criamos memórias o tempo todo, e seria interessante para nós nos apropriarmos delas.

Cozinhar é uma coisa muito séria, no sentido que Winnicott atribui ao brincar da criança. Brincar é ludicidade, é abrir horizontes e criar poéticas, é retirar a palavra ou objetos do lugar comum da linguagem para criar o contexto de um poema; ou o de uma receita. Algo que se abre para nós na infância e que carregamos pela vida. Esperemos que sim!

Uma das curiosidades que encontrei na cozinha de Ana, os cogumelos são crus, e precisam ser limpos, picados e preparados, diferentemente dos que compramos enlatados. Uma das histórias _ a filha da autora ganha cogumelos, sendo solicitada para prepará-los. Sem saber o que fazer com eles, lava-os, demoradamente, aguardando inspiração. Quando o namorado deixa o computador onde procurava receitas para os cogumelos, entra na cozinha, surpreende-se ao ver a moça animada, e lhe pergunta: _O que você faz? _ Estou brincando, lhe responde. O que resultou em uma invenção ganhou o nome de “Cassarola de cogumelos à La D.Winnicott”.  Está publicada.






3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Parabéns pelo livro:)!
    Winnicott, o homem que chamou a atenção para o brincar da e com a criança; entre outros pontos!
    Bjo

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  3. Hola ELIANE, Felicidades por tu blog, siempre es un placer visitarte.
    Saludos, Maribel M.B

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