sábado, 29 de maio de 2010
Corpo de artezã
Quando pinto e bordo ou faço artes percebo no meu corpo um tempo
sem pressa.
Meu corpo então, me lembra o da vovó Sinhá, com uma agulha na mão. Meu rosto é o rosto dela. Meus pensamentos os dela. Penso muito no meu povo, na minha família, sou ela bordando e devaneando.
_ O avesso do bordado tem que ser limpo como o lado direito _ Vovó dizia.
Quando bordo preciso do corpo escarranchado, solto, relaxado; minhas pernas se abrem, os pés se apoiam no chão, palmas plantadas.
As mãos dançam __________ a direita de um jeito, a esquerda de outro. Os olhos olham as mãos, não o olhar em foco, mas o olhar amplo e periférico da meditação, aquele olhar que temos para o horizonte.
Mexo com músculos finos que nunca mexo. Depois sinto dor nestes músculos, e a dor me ajuda a reconhecê-los.
Tenho vontade de fazer o que faço.
Babo o fio pra enfiar na agulha.
Agora, neste momento meu rosto artezão é o meu rosto, solto, relaxado. (Hoje mais cedo no trânsito entre minha mãe e minha irmã, meu rosto estava endurecido).
Quando faço arte, a memória está no presente e retrocede. Lembranças muito antigas da casa de minha avó. E há também uma memória prospectiva: fazer o que ando fazendo pintar, desenhar, bordar, fazer artes _ me projeta num tempo do espanto _ como posso fazer o que não sabia que podia?
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