sábado, 17 de abril de 2010

Rei Guilherme, o Breve

Guilherme, dez anos agora em setembro (2009).

Me sentia o rei, dono de minha casa e dos bichos que por aqui vivem. Tem árvores em volta dela. Sabiás, bem-ti-vis, maritacas, papagaios, uma coruja branca e outra rajada, e os gaviões. Ah, e Chiquinha, cadela de uma raça Sul Africana, que Papai acha foi maltratada antes de vir pra nossa casa. Ela é carente, e tem medo de chuva, principalmente as de raio e trovão.

Como sei que Chiquinha é carente?

Desde bebê ela mostrava os dentes para qualquer pessoa de fora, até para minhas avós Eliane e Gisela, que ainda hoje falam com ela como se a cachorra fosse gente. Acho que fazia isso por medo de ser machucada. Minhas avós fizeram de tudo para conquistar a Chiquinha, e acho que agora as três são boas amigas... mas colocar a mão no bicho nenhuma das duas coloca, apesar de bem tratá-la.

O cuidado de minhas avós com as próprias mãos veio depois de Chiquinha dar-o-chega-pra-lá na Oma, marcando seu braço com os dentes. Só arranhou, mas Oma sentiu-se traída. Se fosse comigo eu também me sentiria. Olhei para vovó Eliane e vi nela um desconcerto. Desconcertar é quando a gente se sente desconjuntado, assim meio fora do lugar. Oficina pra concertar gente não tem, como pra concertar sapato e roupa.

Um dia Alicia, nossa vizinha andava pela rua com os netos João, Pedro e Antônio, que são menores que eu. Do lado de dentro do portão Chiquinha esgoelava pros quatro. Passeavam na rua, e nem iam entrar em casa. Fiquei curioso e vim ver que barulhão era esse que minha cadela fazia, e parei pra conversar. Alicia falou:

_ Chiquinha é muito brava?!

Respondi que não, não era braveza, era carente. Contei pra Alicia e pros meninos como imaginamos a história de infância de Chiquinha. Alicia, colega de vovó Eliane, as duas são terapeutas de gente, não de cachorro. Bem, ela e os netos ficaram me ouvindo. Alicia que sempre conversa muito dessa vez ficou calada, só me olhando. Depois vovó contou que ela ficou impressionada comigo e não com Chiquinha. Se entendi bem, Alicia me acha um filósofo.

Perguntei pro papa o que é filósofo, tive dúvida se era elogio ou xingação. Papa contou que filósofo é um homem que pensa. Pensar penso, será que sou filósofo? Ah, é coisa de gente grande, nem sei se quero ser filósofo, por enquanto gosto de surfar.

Mas do que tenho saudade é de quando eu era o rei de minha casa, e daquele quintal. Até pensava em mim como Rei Guilherme. Aí aconteceu.

Um casal de gaviões fez ninho no abacateiro e botou ovo. O gavião achava que era ao dono de tudo aquilo. Falei pro Papai: "Não é justo, você que paga o IPTU". "O gavião não sabe disso", Papai falou.

Os ovos foram o máximo. A gente podia ver do escritório da Mamãe. O gavião dava rasantes em todo mundo que passava perto do abacateiro. Aconteceu comigo e com todos nós. E comecei a duvidar de meu reizismo.

Pedi pro Papai expulsar o gavião, o que ele recusou, o IBAMA ia brigar. O bichome derrubou, me atirei de barriga ao chão, pra não ser atingido pelo rasante dele.

Zanguei-me deveras quando papa falou em comprar um capacete de motoqueiro pr´eu andar no jardim. Respondi:

_ Papai, está maluco? Aqui quem manda sou eu! Se o gavião quiser ele que use capacete!

_ Por que? Você dá rasante nele?

_ Claro que não, se nem voo!

Bem, Papai não comprou capacete nenhum, no lugar disso assistimos dia a dia os ovos chocados. E cada gaviõzinho deixar o ninho, crescer e poder voar.

Os gaviões não atacam mais. Sem as crias pra proteger estão calmos. Desistir do abacateiro não desistem. Outro dia quem quase pagou o pato foi um papagaio, xereta de abacate. Achei que o papagaio ia pro papo. O gavião voavae assentava num galho de cima, e a gaviôa assentava no galho de baixo. Caçavam juntos. O papagaio xereta pulava de galho em galho. Os gaviões cercavam o bicho verde e laranja, gritando feito um montão de maritacas. Teretecoteteco, barulheira de um bando, não um só. O papagaio fugiu. Barriga cheia de abacate os gaviões deixaram, não precisavam de carne de papagaio, que deve ser dura de roer.

Desisti de ser rei e não só daquele pedaço. Muito custoso ser rei. Se eu fosse rei odiaria gaviões. Agora sei que nem Chiquinha é minha. Ela acha que é a minha dona, de meus pais, da minha irmã e da nossa casa. Vai ver por isso deu o chega-pra-lá na Oma. Se bobear, Chiquinha acha que é dona até dos gaviões. Bicada não vai levar, odeia abacate.

2 comentários:

  1. Olá querida

    Desfrutei muito da leitura.

    Beijos e Paz

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  2. Que lindo! É uma grande verdade: os animais é que são nossos donos.
    Abraços.

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